terça-feira, 9 de janeiro de 2018

I love her like a silly moon

Lisboa, Londres ou Nápoles... a silly moon é a mesma. E enche ruas por todo o lado! "I Love her like a silly moon" O eco nasceu em Pietro, 90 anos que conheci na enfermaria onde está o grande amor da sua vida Louise, 83 anos. Que privilégio ter-me cruzado com os dois. Ele é um senhor italiano que me cumprimenta e se despede, sempre, com um gesto largo de agradecimento e um beijo na mão. Ela, uma senhora inglesa que ficou sózinha em Lisboa quando foi retirada do cruzeiro onde seguiam e foi parar ao Hospital de Santa Maria. Tudo porque o coração dela disparou, foi parar aos meus dias. Conheci Louise deitada numa maca, no corredor da enfermaria momentos depois a trazerem das urgências. Dela sabia apenas que é uma senhora inglesa que sofreu um ataque cardíaco enquanto viajava com o marido, Pietro, num dos muitos cruzeiros que passam em frente a Lisboa. Por entre a máscara de oxigénio, os fios e a desorientação sorriu para mim e eu sorri para ela. Mais tarde percebemos que estavam a sair de Lisboa quando o coração dela disparou e o helicóptero do INEM a foi buscar ao navio. Pietro, o marido teve de continuar a bordo, rumo a Londres (devido à idade não podia acompanha-la). Quando soube estes detalhes fiquei comovida e (ainda mais) atenta. Não imagino o que sentiria se de repente estivesse a meio de uma viagem de cruzeiro, num país e numa cidade que não conheço e o meu coração disparasse de tal forma que um helicóptero me viesse buscar a bordo para me levar para as urgências. Foi exactamente assim que aconteceu com Louise, 83 anos, casada com Pietro, 90 anos (são o grande amor da vida um do outro e nunca antes tinham estado separados). Conheceram-se há 40 anos (estavam ambos divorciados) e a partir dali foi amor para a vida toda! Soube destes detalhes, hoje, pela filha dele que chegou com ele ontem. No segundo dia de internamento vi que Louise continuava desorientada, naturalmente, mas também muito agitada a tentar tirar os vários fios que a prendiam à cadeira e à "unidade". Na pressa das horas reparei que focava toda a atenção num senhor que estava sentado no fundo do corredor. Tentava soltar-se e quando voltei a colocar-lhe o oxigénio, correctamente, (cuidado que todos lhe prestávamos à passagem) - "Está muito agitada, não pára de tentar tirar os fios" informou a enfermeira responsável por Louise que acrescentou: "se continuar temos de lhe fixar os braços à cadeira ou arranca os acessos". Voltei a observar a senhora e perguntei-me o que estaria a chamar tanto a atenção dela... Aproximei-me, recoloquei o oxigénio, passei a mão pelo cabelo dela e a sorrir perguntei: - Precisa alguma coisa que está a ver ali ao fundo? Olhou-me, num movimento de espanto como que (finalmente) alguém estivesse a fazer a pergunta que ela queria ouvir. - É o Pietro! Está sentado ali ao fundo, é o meu marido! tenho de ir ter com ele, disse e acrescentou: Deve estar muito preocupado. É italiano, sabe. Muito emotivo! Está ali, estou a vê-lo! Percebi a causa daquela agitação (mais tarde ainda entendi melhor porque a senhora não tinha sequer os óculos que usa) e respondi: - Não minha querida, não é o seu marido que está ali sentado. É um senhor, sim, mas também está internado neste serviço. É português e chama-se António. Perante a surpresa e a confiança que sentiu no que lhe estava a dizer desatou a rir-se comigo. - Não é o Pietro que está ali sentado?! - Não, não é o seu marido, disse eu. O seu marido teve de seguir viagem no navio até Londres porque não podia acompanha-la quando a trouxeram para este hospital. Mas segundo sei ele está bem, a sua família telefona todos os dias e dentro em breve ele e a sua filha chegam a Lisboa para vir ter consigo. Todo o comportamento dela mudou quando percebeu que estava a confundir a pessoa que via no fundo do corredor. Não voltou a tentar arrancar os tubos, dividia o tempo entre o sono, os exames e o desfile de pessoas à frente dela, a falar uma língua que não entende. Volta e meia os médicos faziam-lhe perguntas, ela respondia. Passou a colaborar inteiramente e sempre com um sorriso no rosto. - E o Pietro? Já sabe alguma coisa dele? perguntava-me às vezes. É italiano sabe! - Só sei que está bem, que a sua filha tem telefonado para cá, fala com os médicos e estão a preparar-se para vir ter consigo. A preocupação desta senhora era com o marido. Ainda que lhe disséssemos que o coração dela precisava de repouso... entendo que fosse impossível e hoje confirmei a razão. Ainda o dia estava a começar quando ouvi vozes em inglês a correr pelos corredores em direcção a nós, u a do senhor, com um forte sotaque italiano. Estava no quarto dela e imediatamente dispensamos palavras. - É ele! disse Louise. É o Pietro! Chegou ontem à noite! Veio com a filha. - Que bom! que bommmm! disse eu. A partir desta manhã, a minha querida Louise está finalmente calma. Tem o amor de uma vida sentado junto à cama, às vezes quase a dormir (porque passou a noite em claro quando lhe disseram que não podia ficar no hospital com a mulher). A verdade é que é um senhor de 90 anos, acompanhado da filha que agora cuida dos dois. - I love her like a silly moon you know? disse-me ele com os olhos rasos de água. - I know... i know... Quando os médicos terminaram os exames puderam, finalmente, sentar-se de mão dada e de olhos postos um no outro. Puxei um pouco a cortina para terem alguma privacidade. Ela só sorri... ele chora, às vezes, entre a negação de tudo o que aconteceu e a estranheza de nunca terem estado afastados um do outro. Convidei a filha para um café. Tentei que desconstruisse um pouco o tempo, que "dividisse" tarefas, decisões. Tentei que se acalma-se um pouco, afinal, duas pessoas como aqueles dois só podem ser profundamente intensos também no cuidar. Está preocupada, ansiosa com as decisões que ela e os irmãos terão de tomar em relação à recuperação da mãe. Levei-a à varanda, afastamo-nos do barulho dos corredores, sorrimos deste rainy day! Voltamos ao quarto onde os dois continuavam estupefactos com o que aconteceu. Todos mais calmos. Começam a contar-me a história de amor que vivem há quarenta anos quando se conheceram. Eram ambos divorciados, encontraram-se e nunca mais se largaram (também eu e a filha passámos pelo divórcio, todos ali passámos!. Rimos juntos, no volume italiano do humor inglês que nos espanta os medos. Gosto tanto quando as histórias que passam por mim acabam bem. Quando o Amor se escancara à minha frente, ainda que deitado numa cama de hospital. Que comovente é olhar para Louise e Pietro como se os conhecesse bem (afinal nas minhas conversas com ela fiquei a saber muitos detalhes dos dois). O meu inglês acolheu-a, aprofundamos sorrisos, fui ouvinte e confidente. A filha comentou à pouco comigo. - A minha mãe diz que a Isabel foi um porto de abrigo neste hospital. Agradeci e sai comovida. Que ternura a imagem que guardam mim.

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