quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Quando o dia de trabalho não me sai do caminho


No dia dedicado à gratidão só posso agradecer. Agradecer a mensagem que me fala da princesa do futuro, a voz da amiga me devolve gargalhadas, os filhos à espera com uma lareira acesa e perspectivas incríveis sobre como me vou sentir ao partilhar com os futuros netos o tempo que por cá andei em simultâneo com os meus heróis... "imagine", oferecem-me para ouvir. Enrolada um envelope recebi também uma linda carta de amor, escrita pela minha filha criança, com sete passos de leitura. Impossível descrever e demasiado íntimo para partilhar. Tudo isto soube, particularmente, bem num dia como este em que o trabalho veio colado a mim pelo caminho. Por mais técnicas que nos tenham ensinado, por mais anos de experiência... há dias que não nos soltam de tão intensos que são em tristeza. De qualquer forma o dia dedicado à gratidão trouxe-me a história do investigador, médico, que num país da Ásia não conseguiu ver o laboratório do instituto onde trabalhou a vida inteira ser destruído. Perante a véspera do dia em que todo o conhecimento reunido naquele edifício seria destruído e desfeito com os escombros este investigador não resistiu e depois de meses em conflito obsessivo entre a revolta, a não aceitação e a ética decidiu alugar a maior carrinha que encontrou na cidade e na noite anterior à destruição do edifício assaltou aquele que foi o seu laboratório, onde trabalhou a vida inteira. Levou os documentos, todos os estudos, todo o conhecimento conseguiu e que estava ali reunido. Espalhou caixas pela casa dele, dos amigos... "Não resisti! Não aguentei e assaltei o meu próprio laboratório! Não me sinto em paz com isso mas planeei tudo e na véspera das máquinas entrarem para derrubar as primeiras paredes fui lá buscar tudo o que consegui. Enfiei um capuz na cabeça e tudo! Estava com medo dos militares, mas ver o meu laboratório desaparecer numa decisão política que não soube valorizar nenhum daqueles saberes... não! isso não! E se não tivesse feito aquilo ia perseguir um dos meus melhores amigos para o resto da vida porque ele fazia parte do grupo de pessoas que decidiram encerrar o instituto e destruir tantos anos de conhecimentos. Podiam tirar-me tudo, mas tanta investigação na área da saúde, não! Não consegui". A história deste médico veio de braço dado comigo para casa. A dele e a de Jackie de quem me despedi com o coração apertado. Amanhã o marido e a filha voltam para Londres e ela ficará (novamente) sózinha à espera que o coração estabilize e os médicos assinem a alta para que possa voltar para casa, Londres, onde mora há mais de 80 anos e onde o marido e os 9 filhos a esperam numa família enorme onde são (quase) todos muito ansiosos. Antes de me despedir do marido e da filha disse-lhes olhos nos olhos que cuidarei dela enquanto estiver internada. Podem ir (um bocadinho) descansados que farei o meu melhor. Como sou de agradecer por tudo e por tanto que me acontece voltei para casa assim... num movimento desconfortável entre a preocupação com ela (amanhã não vou trabalhar, fico sem actualizações na evolução dela) e por outro lado com a alegria de ter sido parte da coincidência maravilhosa que fechou este dia de trabalho. Esta manhã, antes de sair de casa, meti na mochila um pote de plasticina para oferecer à Jackie. Pensei que iria para casa hoje (ou amanhã, mas com a família) e era uma forma de me despedir e lhe dar que fazer durante a viagem que será feita de carro, não pode voar por enquanto). Hoje ainda, com o passar do dia percebemos todos que Jackie fica por cá mais uns dias e essa tristeza veio comigo, claro. Mas levei a plasticina com intenção de lha oferecer e foi isso que fiz, antes de sair. Surpresa grande foi saber que Jackie foi escultora a vida inteira! Uauuu! Se algum dia estiver internada (já velhinha) numa cama de hospital vou gostar que alguém me diga poesia para o tempo passar mais depressa. À Jackie, a plasticina eu imagino-me com a poesia.

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